quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Poluição em Minas eleva o risco de seca e vendaval

A agricultura, o desmatamento e a pecuária, além da produção e do consumo de energia, são os principais responsáveis, em Minas Gerais, pela emissão de gases causadores de efeito estufa. É o que mostra estudo divulgado ontem pela Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam). Somente em 2005, nada menos que 122,9 milhões de toneladas de gases foram lançados, pelo estado, na atmosfera. Apesar de não serem poluentes, formam uma barreira que impede a saída da radiação solar, elevando a temperatura do ambiente. Na ponta, o resultado do aquecimento é sentido pelo cidadão de maneira trágica: para especialistas, está associado à freqüência cada vez maior de estiagens prolongadas, tempestades e vendavais.
Batizado de Inventário de Gases de Efeito Estufa, o diagnóstico mostra os setores que mais contribuíram para a formação dos gases e a quantidade produzida no Estado. Segundo a Feam, será base para a elaboração de políticas públicas para incentivar a redução das emissões, sem prejuízo da atividade econômica.
Apesar de a maioria das pessoas associar a produção de dióxido de carbono (CO2), um dos principais gases do feito estufa, à fumaça liberada por automóveis, outros “vilões” existem em setores aparentemente inofensivos, agravando o aquecimento global. É o caso da pecuária, um dos motores da economia de Minas.
As 20 milhões de cabeça de gado que pastam em território mineiro ajudam a fazer da agricultura, das florestas e do uso do solo o carro-chefe na emissão de gases no estado, com 51,4% do total. A digestão do capim faz os animais produzirem metano (CH4), gás que também ameaça a manutenção da temperatura do planeta. Junto ao óxido nitroso (N2O), ele ainda é liberado nas fezes do gado, aumentando o estrago.
Fora do campo, indústrias colaboram para a desordem na natureza. Como o comércio, os meios de transporte e as próprias residências consomem energia, emitindo gases nocivos ao ambiente. Um exemplo está na siderurgia, que usa carvão mineral para obter o ferro - processo que libera os tais gases. Conforme o relatório, as indústrias mineiras produziram, somente ao usar energia, 20 milhões de toneladas de dióxido de carbono em 2005.


Desequilíbrio exige medidas urgentes

Políticas públicas para reduzir a emissão dos gases de efeito estufa vêm com atraso, diz o professor e cientista Luiz Cláudio Costa. Líder da equipe de especialistas em Mudanças Climáticas da Organização Meteorológica Mundial, vinculada à Organização das Nações Unidas (ONU), ele garante que o impacto do aquecimento sobre o planeta já está acontecendo. Ocorre, por exemplo, sob a forma chuvas com intensidade e freqüência maiores. “Fenômenos extremos, de grandes proporções, estão ficando cada vez mais comuns, e isso está ligado às mudanças climáticas. Não é um problema para o futuro, mas atual”, alerta.

No caso do efeito estufa, os gases retêm a radiação solar. Uma das conseqüências é que a atmosfera passa a comportar um volume muito maior de vapor d’água, potencializando a força da chuva. Em outra frente, o aquecimento maior leva a mais evaporação, causando seca prolongada em outras regiões.
“A temperatura elevada é só um dos aspectos das mudanças climáticas. Precisamos estar preparados para outros. A Defesa Civil, os bombeiros e os governos têm que fazer, por exemplo, estudos de barragens de contenção de águas de chuva, para evitar danos maiores. Essas estruturas foram projetadas para uma situação, mas o quadro atual é outro”, diz Luiz Cláudio, atualmente reitor da Universidade Federal de Viçosa (UFV).
Meteorologista do MG Tempo/ Cemig/ PUC Minas, Ruibran dos Reis também acredita que ocorrência mais freqüente de desastres naturais está relacionada ao aquecimento global - embora não seja possível ligar um fenômeno específico ao aumento da temperatura no planeta. “Chuvas de granizo aconteciam antes, mas em geral uma vez por ano, em uma ou outra cidade. Em 2008, houve registros em 25 cidades de Minas”, exemplifica.
O diretor de Pesquisa e Desenvolvimento da Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam), Paulo Eduardo Fernandes de Almeida, reconhece a ligação entre os fatos, e diz que o inventário pode ajudar a traçar estratégias para minimizar a emissão de gases do efeito estufa no estado.
Ele explica que o efeito estufa tem um lado benéfico - se não existisse, a temperatura na Terra seria de 17°C negativos, dificultando até a sobrevivência humana. Mas o aquecimento em índices cada vez maiores acarreta uma série de problemas. Na agricultura, compromete a produtividade do solo. Na esfera da saúde, em especial em áreas tropicais, favorece a disseminação de doenças.
Sem falar nas mudanças climáticas. “Os impactos são enormes, porque a mudança no regime de chuvas na Amazônia pode afetar a biodiversidade na floresta. E o calor pode acelerar o derretimento das geleiras, aumentando o nível de água nas cidades costeiras”, explica Paulo.

Emissão sob controle é possível

Pôr um ponto final na emissão de gases de efeito estufa é impossível, mas diminuir a quantidade lançada no ambiente é viável, diz o diretor da Feam. Segundo ele, o inventário vai permitir que o estado trace estratégias e metas para serem alcançadas por todos os setores. Mas será preciso atacar em várias frentes.
Em Minas, a agricultura gera gases, por exemplo, quando há queima de resíduos como palha de milho ou de cana de açúcar. O produto é o óxido nitroso (N2O), que tem poder de aquecimento 310 vezes maior que o CO2. A adubação do solo, feita com uma mistura de calcário e nitrogênio, também gera metano (CH4). Mas o maior desafio é mesmo conter o desmatamento. A vegetação capta CO2. Se há queimada, além de isso deixar de acontecer, ainda há liberação do gás no ambiente.
O transporte - de mercadorias ou pessoas - feito basicamente em veículos movidos a óleo diesel ou gasolina também é um atentado à natureza. A queima dos combustíveis ajuda a fazer da energia a vice-líder na emissão de gases no estado, com 36,9%. Em terceiro lugar estão os resíduos (5,9%), já que a deposição de lixo nos aterros também libera gases. E, em quarto, os processos industriais (5,8%), já que a fabricação de determinados produtos também tem como resultado gases de efeito estufa. No caso do cimento, eles surgem da interação do calcário com o oxigênio.
Segundo Paulo, a questão é que, como os gases em si não são poluentes, não há como impedir que eles sejam gerados. “É também uma questão econômica. Não podemos parar essas atividades”, diz. No entanto, estudos para adotar alternativas estão a caminho.
“Aqui, em geral, não se aproveita o gás metano. mas ele pode ser usado para produzir energia elétrica”, diz. Outra idéia, ainda em estudo, é substituir os derivados do petróleo usados nos fornos das indústrias por biomassa, que pode vir do lixo, por exemplo. Ontem, durante a apresentação do inventário, a Feam e a Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg) assinaram dois protocolos. O primeiro é para medição dos gases produzidos por indústrias específicas, já que o estudo avaliou o índice no setor. O segundo é para adoção das medidas alternativas pelas indústrias, reduzindo, de fato, a liberação dos gases - mas nos dois casos, a adesão das empresas será voluntária. Fora das indústrias, o cidadão pode contribuir economizando energia e deixando o carro na garagem. O estudo foi feitopelo pesquisador Alexandre D’Avignon, da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Para o professor Luiz Cláudio Costa, da UFV, é preciso correr contra o tempo. “Em São Paulo, já foi lançado em 2008 um plano que vai investir R$ 100 milhões, durante uma década, em ações para redução dos gases”, afirma o pesquisador.