Esfomeada como ela só, Magali corre para a cozinha e vai direto para o fogão, onde está sendo preparada uma guloseima. Como a tampa do forno está quente, ela solta de uma vez, e a panela que está sobre as trempes vai ao chão. Quase que Magali e Mônica são queimadas pela calda quente. Ainda bem que Anjinho estava por perto e evitou o acidente. O final da história em quadrinhos «Perigo na Cozinha», criada por Maurício de Sousa, em campanha de prevenção a queimaduras, tem final feliz, sem feridos. É diferente do que ocorre com cerca de cem pessoas atendidas diariamente no Setor de Queimados do Hospital de Pronto-Socorro João XXIII (HPS). Dessas, 43% são crianças com até dez anos.
A cozinha é o local onde ocorrem 80% dos acidentes com os pequenos, conforme dados da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig). Foi nesse espaço que Ruan Pablo de Jesus, de dois anos e sete meses, se machucou. «Ele foi mexer no fogão a lenha, puxou a gavetinha e a brasa caiu na cabeça dele. Quando cheguei, o cabelinho dele estava pegando fogo», relata a mãe, a bordadeira Geisilene Aparecida de Jesus, 25 anos. O menino sofreu queimaduras de segundo e terceiro graus em 18% do corpo e teve que fazer enxertos nas mãos e cabeça. Ruan está no HPS desde 14 de agosto. A mãe diz que vai ficar mais alerta.
A empregada doméstica Jacqueline da Silva, 20 anos, mãe de Lara Mariana, 1, também orienta os pais a terem mais atenção e se informar sobre os procedimentos básicos em queimaduras. «Se eu tivesse informações, poderia ter ajudado mais a minha filha», acredita. Lara se queimou ao pisar em brasas de fogueira feita pelo tio em casa para queimar folhas secas.
Os dramas vividos pelos pacientes que chegam ao HPS despertaram representantes da sociedade civil e do poder público a lançarem uma campanha de prevenção que, realmente, atingisse crianças. A idéia foi do empresário catarinense Guido Bretzke, 40 anos, que, há dez meses, sofreu queimaduras quando participava de coquetel em Nova Lima. Durante o tratamento na capital, ele conheceu o Setor de Queimados do João XXIII, considerado o maior da América Latina.
«Comecei a pensar em como transformar o que tinha acontecido comigo em uma coisa para o bem», lembra. Foi aí que conversou com amigos empresários para lançar a campanha. A idéia chegou até Maurício de Sousa, que criou a cartilha «Prevenindo Queimaduras» e doou os direitos autorais para a iniciativa. A Fhemig foi uma das parceiras do projeto e, por isso, Minas Gerais será o primeiro estado a distribuir a revista para alunos do Ensino Fundamental.
O lançamento dos exemplares foi realizado ontem, no Palácio da Liberdade, pelo governador Aécio Neves (PSDB). A solenidade contou até com a presença de Mônica, Cebolinha, do coelho Sansão e do cirurgião plástico Paulo Nishimura, que se transformou em um dos personagens da cartilha, o «doutor Meximuda». Maurício de Sousa disse que o tema da prevenção a queimaduras será colocado em todas as edições, no meio das histórias.
O chefe do Setor de Queimados do hospital, o médico Carlos Eduardo Guimarães, observa que a campanha deve se estender a todos os estados. De acordo com o presidente da Fhemig, Luís Márcio Araújo, o paciente queimado requer longa permanência hospitalar _ em média, 15 dias _ e um alto custo para o tratamento. «Tem casos que chegam a até R$ 34 mil».