Silvana Miranda
Repórter
Sambistas, carnavalescos e artistas de Belo Horizonte apostam na importância histórica e social do Carnaval para tentar trazer de volta o glamour dos desfiles dos anos 70 e 80. Na capital mineira, a Festa de Momo está em crise, que teve como expoente o despejo de uma tradicional escola, a Cidade Jardim, de sua sede, no mês passado, pela prefeitura. Sem ter onde ensaiar, produzir e montar seus adereços, a escola pode ficar de fora do desfile de 2008, pela primeira vez em seus 47 anos de história.«O Carnaval tem um benefício social importante para as comunidades carentes. Tem o poder de elevar a auto-estima da lavadeira que, por um dia, torna-se destaque na ala das baianas, ou do pedreiro, que apresenta-se na responsabilidade de um mestre-sala e está sendo visto por milhares de pessoas», defende o artista plástico Décio Novielo, que atua como carnavalesco da Cidade Jardim, desde 1973.Assim como suas concorrentes, o Grêmio Recreativo e Escola de Samba Cidade Jardim quer poder reviver na avenida seus anos de glória, iniciados dois anos após sua criação, com o primeiro campeonato de 63, que seguiu-se de outros dez consecutivos, ainda um recorde nacional. Quer também ver o Carnaval de BH retornar aos anos dourados da década de 80. Época em que arquibancadas e camarotes ficavam lotados na Avenida Afonso Pena, com ingressos esgotados um mês antes, e o público presenciava a disputa entre a Cidade Jardim, Inconfidência Mineira, Unidos Guarani e a recém-criada Canto da Alvorada, que revezaram-se no primeiro lugar ao longo dos anos.No samba-enredo e na passarela, os integrantes de cada escola, muitas com sambistas e passistas do Rio de Janeiro como convidados, davam de tudo para fazer o melhor desfile e também ganhar os destaques individuais, reconhecidos pelos prêmios Tamborim de Ouro e Cidadão-Samba. Era uma época em que os desfiles das escolas de samba de Belo Horizonte apareciam em destaque por várias páginas das revistas e transmissão ao vivo pela TV, com direito a muitos minutos nos telejornais nacionais, tamanha a beleza e grandiosidade da festa, que elevou Belo Horizonte ao segundo posto no país, ficando atrás apenas do Rio de Janeiro.Tempos também de ousadia, quando a passista Tati, da Cidade Jardim, uma singela professora de piano, foi a primeira a aparecer com os seios à mostra, o que ainda era pouco comum até no Rio de Janeiro. E em que personalidades do samba, como Nego, irmão de Neguinho da Beija-Flor vinha à BH para ‘puxar‘ samba da Cidade Jardim, que já teve como destaque a passista Pinah, também da Beija-Flor, aquela de cabelos raspados que deslumbrou o príncipe Charles, em 86.Alexandre Silva Costa, o Li, 38 anos, presidente da Cidade Jardim, relembra que, na década de 80, quando cada escola brigava nas mesmas condições pelo título, eram comuns as visitas escondidas às quadras rivais, em busca de informações sobre o que seria preparado para o próximo Carnaval. Ele conta que a Cidade Jardim tinha a estratégia de montar seus carros alegóricos num galpão no Bairro Santa Terezinha, na Região da Pampulha, bem longe dos olhares rivais. «Aqui, no Santa Maria, ficavam apenas as pequenas alegorias, o que confundiu muita gente», disse ele.Um ponto principal da escola que não havia como esconder, por motivos óbvios, era a bateria. «De longe escutávamos o repique da bateria da Inconfidência Mineira, a que considero a nota 10 do Carnaval de BH, lá no Bairro Concórdia. As quadras ficavam cheias para acompanhar os ensaios das baterias. Era uma forma também de conseguir mais verba para os desfiles», conta o presidente da Cidade Jardim. Havia também os bailes, muitas vezes em gafieiras, para angariar mais recursos. Mas as escolas de samba de Belo Horizonte não ensaiam mais suas baterias como há três anos, por causa da Lei do Silêncio.Alexandre lembra do «Livro de Ouro», que era usado por todas as escolas para registrar as doações de empresários, autoridades e políticos. A ajuda também vinha de comerciantes, sobretudo proprietários de hotéis, que tinham a garantia da lotação esgotada, e de comerciantes estabelecidos ao longo da Afonso Pena, que tinha retorno certo de investimentos. «Todo mundo participava. Havia uma interação com o Carnaval, que, não sei porquê, foi perdida aqui em Belo Horizonte».
Falta dinheiro para recuperar festa
E a luta para ter de volta os tempos áureos deve ser longa e difícil, já que, no mês passado, a quadra da Rua Gentios, no Conjunto Santa Maria, Região Oeste da capital, foi desapropriada pela prefeitura para a construção de uma Unidade Municipal de Ensino Infantil (Umei). E ainda, as escolas consideraram insuficiente a verba de R$ 10 mil que receberão do município para o desfile de 2009. «Isso dá para um desfile mediano e não é interessante mais fazer algo assim, quando precisamos é reerguer nosso Carnaval», protesta Alexandre Costa.«Se a escola não sair na avenida, iremos desfilar pela cidade afora. Não podemos ficar sem Carnaval», disse a comerciante Creuza Antônia Barbosa, 50 anos. Passista e mulata da bateria da Cidade Jardim por 37 anos, ela começou na escola com apenas 10 anos, na ala mirim. Sua graciosidade e beleza fizeram-na subir rapidamente como destaque da escola, que guarda recordações inesquecíveis. Creuza se lembra com detalhes do Carnaval de 71, como se tivesse ocorrido em fevereiro passado. «Ganhamos o título depois de desfilar debaixo de uma chuva intensa. Mas a garra da escola era muita. Homenageávamos a tia Helena, da ala das baianas, morta meses antes. Foi inesquecível».O comerciante João Marques de Jesus, o Juca, 53 anos, passista da escola que só não participou do desfile passado, relembra com empolgação o Carnaval de 84, quando a escola apresentou um samba-enredo que caiu no gosto do público. O refrão dizia que o samba da Cidade Jardim tinha a força do He-man, herói dos desenhos animados da TV da época. «O povão sabia toda a letra do samba, por ser bem fácil, e o cantava alto. Aquilo mexeu com a gente, de tão belo que foi aquela participação», disse Juca.A Cidade Jardim levava para a avenida cerca de 1.500 integrantes, sendo 150 componentes da bateria. Alexandre Costa, que na década de 80 era um jovem passista, diz que toda a comunidade participava freneticamente para a preparação do desfile. Costureiras, que formariam a ala das baianas, tiravam os fins de semana para confeccionar as fantasias, e o barracão da escola fervilhava de pessoas para ajudar na confecção das alegorias e adereços. As alas eram engrossadas por pessoas da comunidade e muitas outras vindas de outros bairros, que buscavam o prazer de brincar na rua.